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Entrevista com Ernesto Araújo, autor de A Porta de Mogar

Alfa Omega: Qual é a temática que você aborda?
Ernesto Araújo: Antes de mais nada, aquilo que o escritor francês Philippe Muray chama a recusa de negatividade. A idéia de que um mundo de paz e cooperação é a maior das maravilhas. A perda da liberdade de pensar e agir que decorre da universalização de um certo tipo de democracia. Tento opor-me a tudo isso e afirmar um pouco a negação, defender a possibilidade de ser contra. Porque a humanidade nasce e cresce na contradição e no confronto: confronto com a natureza, confronto entre povos e classes, confronto entre espírito e matéria, confronto do homem consigo mesmo, desafio à realidade. Hoje somos cada vez menos capazes de vivenciar o confronto, e assim vamo-nos desumanizando.

Alfa Omega: Seu livro também fala muito de deus. Em que gênero se encaixa A porta de Mogar?
Ernesto Araújo: Creio que se pode considerá-lo um romance, de certa forma na linha do que os americanos e ingleses chamam de “fantasy”, com reis, castelos e nomes estranhos. Mas não se trata de um relato de aventuras, e sim do monólogo de um homem chamado Keniv. Keniv é uma espécie de filósofo que se transforma num mercenário a serviço de uma princesa deserdada mas que acaba protegendo a sacerdotisa de um culto decadente.

Alfa Omega: O que significa o título: Quem é ou o que é Mogar?
Ernesto Araújo: É preciso ler o livro para descobrir. Mogar pode ser um sábio, um fantasma um charlatão ou outra coisa. Tenho a minha própria opinião a respeito. que não sei se é exatamente a mesma de Keniv e de outros personagens do livro nem sei se será a mesma do leitor. portanto não quero influenciar a leitura que cada um fará.

Alfa Omega: Qual é a mensagem central do livro?
Ernesto Araújo: Não saberia dizer. Usei como epígrafe um fragmento de Heráclito que diz: “quem não espera o inesperado, não, o encontrará”. Penso que essa é a idéia que mais se aproxima de uma síntese do livro. O que também acho é que uma obra literária não tem, ou não deve ter, nenhuma finalidade específica, um romance não pode ser reduzido a um conjunto de proposições abstratas sobre a sociedade, a natureza humana ou o que quer que seja. A motivação de um texto literário é, digamos. “generativa”, o texto surge de dentro para fora. O texto literário não é um instrumento, fabricado para preencher determinada função: antes, é um ser vivo, cuja razão de ser lhe é intrínseca. Uma árvore não nasce para dar sombra, embora eventualmente tenha venha a produzir esse resultado. Um livro que se escreve com determinada finalidade é como uma samambaia de plástico. A meu ver, a graça de ser gente está em não ter finalidade. Nesse ponto, acho que o Keniv concordaria comigo.

Alfa Omega: Mas até que ponto você se identifica com Keniv, o narrador e protagonista do livro?
Ernesto Araújo: Identifico-me muito, do contrário ele não seria o protagonista. Mas Keniv é também um amigo com quem volta e meia troco idéias. Tenho porém a impressão de que às vezes ele não conta tudo o que sabe. A estrutura narrativa de A porta de Mogar parece um pouco complicada, os episódios se misturam, os personagens aparecem e desaparecem… Sim. Acho que isso reflete a personalidade do narrador, um sujeito meio impaciente descontinuo e que nunca consegue dar à sua vida o rumo que quer (pergunto-me se alguém consegue). Claro que se eu fosse contar a história de Keniv contaria diferente, de modo mais linear. Mas a “Porta” é o próprio Kenív falando eu não quis interferir. Não vou interromper dizendo: “Keniv explica aí melhor esse lance. Aquele jantar foi antes ou depois daquela batalha?”

Alfa Omega: Trata-se então de uma obra aberta?
Ernesto Araújo: Espero que sim. A porta de Mogar está aberta, é só entrar. Ou estará trancada? Haverá uma chave ou palavra secreta capaz de abri-la? Devemos atacá-la ou defendê-la? Mas o que há do outro lado? Talvez o leitor possa encontrar algum desafio nesse tipo de perqunta.

Alfa Omega: O seu trabalho como diplomata, sua situação de morar fora do Brasil, influiu de alguma maneira neste livro?
Ernesto Araújo: Em nada ou muito pouco. É claro que tudo o que você experimenta influi no que você escreve, mas em A porta de Mogar essa influência é muito indireta.

Alfa Omega: O livro fala muito em guerra. Isso não é contraditório com a diplomacia?
Ernesto Araújo: E possível, mas sinceramente essa contradição não me preocupa. Keniv é um guerreiro e defende a guerra como modo de vida. Penso muito em outra frase de Heráclito, que diz:” a guerra é a mãe de todas as coisas”. De fato, tudo o que existe tem origem em alguma espécie de conflito, de oposição, de fricção. A paz perfeita é a perfeita estagnação. Por sorte sempre haverá conflitos, de uma espécie ou de outra. Isso também é bom para a diplomacia, porque a diplomacia vive de administrar conflitos- no sentido mais amplo do termo. Num mundo perfeito e feliz não haveria diplomatas, como também não haveria escritores.

Alfa Omega: Poderia falar um pouco sobre suas influências literárias?
Ernesto Araújo: Em A porta de Mogar, creio que a minha principal influência é um autor inglês do começo do século, Lord Dunsany, que escrevia contos passados em lugares imaginários e criou uma mitologia própria com seus heróis e deuses. Hoje está esquecido e seus livros já não se reeditam (o principal é The gods of Pegana), mas é um nome-chave na ficção não realista, ou anti-realista se preferirmos. Outros nomes que eu citaria são: Jorge Luis Borges e os autores do nouveau roman (Robe-Grillet Butor). São autores que, por caminhos diferentes, mostram que a ficção pode ser invenção, pode ir além da análise social ou psicológica. A literatura não tem que explicar nada, ao contrário, precisa criar mistério. Precisa estender a mão para além da realidade e agarrar alguma coisa lá fora. Precisa pular a cerca. Hoje, vejo demasiado número de escritores que não pulam a cerca.

Alfa Omega: Então você se considera um anti-realista?
Ernesto Araújo: De certo modo sim. Acho que a realidade é apenas uma espécie de plataforma de lançamentos, ou melhor, um campo de jogo, mas o jogo propriamente dito – que é no fundo o que interessa – já é uma outra coisa. Quem vive preso na realidade é como dizia Fernando Pessoa simplesmente um “cadáver adiado”. Além disso, o que as pessoas normalmente chamam de “realidade concreta” não passa de um esquema abstrato que se monta na cabeça, uma peneira muito grossa que deixa passar todos os diamantes.

Alfa Omega: E A porta de Mogar propõe uma espécie de realidade alternativa?
Ernesto Araújo: Não sei se chega a tanto. O problema das realidades alternativas e das utopias em geral é que elas tentam transformar a fantasia em realidade, e acho que deveríamos tentar o contrário.Quando se fala em fantasia as pessoas pensam logo em Branca de neve e Chapeuzinho vermelho, como se os adultos só pudessem preocupar-se com a taxa de câmbio e a reforma da previdência, e todo o resto fosse infantilidade. Se é assim, então viva o Chapeuzinho vermelho. Lembro-me que phantasia, em grego, vem do verbo phaino, que significa “fazer aparecer à luz, revelar”. Parece-me uma etimologia bastante esclarecedora.


Ernesto Araújo é autor, pela Alfa Omega, de:

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Far far away, behind the word mountains, far from the countries Vokalia and Consonantia there live the blind texts.