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Entrevista com Durval Clemente, autor do livro Um Brasil canalha

Alfa Omega: Um Brasil canalha é seu primeiro livro?

Durval Clemente: Sim. Eu nunca havia pensado antes, em escrever um livro, por achar que pouco tinha a dizer que pudesse ser útil aos possíveis leitores.

Alfa Omega: E por que, agora mudou de opinião?

Durval Clemente: Fui forçado pelas circunstâncias. Tinha o hábito de colecionar canalhices publicadas na Imprensa e a minha coleção foi crescendo dia a dia. Quando minha coleção chegou a alguns milhares de denúncias publicadas, comecei a me preocupar com o possível destino desse acervo de canalhices. Pareceu-me óbvio que esse material poderia ser aproveitado para estudos diversos, realizados por especialistas. Visando ceder o material que possuía a alguém, ou a alguma entidade, que pudesse aproveitá-lo adequadamente, apanhei todos aqueles recortes de jornal, até então apenas guardados, e passei a classificá-los e ordená-los segundo critérios que fui estabelecendo através de erros e de tentativas. Com isto foi se estabelecendo uma ligação entre mim e meus canalhas e me dava desconforto pensar na idéia original de ceder aquele acervo para outros. O trato diário com o material foi me levando a fazer observações e a tirar conclusões que me surpreendiam. Não foi difícil perceber que a leitura e a releitura das canalhices, o seu estudo e a classificação sistemática a que eu as submetera me levaram a resultados e conclusões que talvez somente eu possuísse e que precisariam ser divulgadas – ao menos para serem discutidos por outras pessoas. Daí à idéia de aproveitamento do material colhido para torná-lo um livro escrito por mim, foi um passo.

Alfa Omega: E levou muito tempo a elaboração do livro?

Durval Clemente: Sim. Mais de 20 anos, se contarmos desde o início da coleta de notícias. E o meu único investimento era o tempo, nesse início de trabalho. Quando me dispus a organizar, classificar e estudar o material que possuía, constatei que isso implicaria não só em aumento do meu investimento em tempo, como também na contratação de pessoas para classificar e arquivar, de forma adequada, as notícias recolhidas, digitar os dados principais de cada canalhice publicada e para outras pequenas atividades, as quais foram se tornando necessárias. E havia uma certa premência, pois não se tratava tão somente de estudar o material lá elegido, pois as notícias continuavam a sair. Assim, foi necessário estabelecer-se um ritmo de trabalho, dentro das minhas disponibilidades financeiras e da capacidade de trabalho dos meus colaboradores – todos eles com outras atividades.

Alfa Omega: E o nome do livro? O senhor realmente acha que há um Brasil que é canalha?

Durval Clemente: Isso eu esclareço bem no próprio livro… O Brasil não é canalha, isso é, o seu povo não é, intrinsecamente mau, vil, calhorda. Mas, indiscutivelmente, o Brasil está canalha. O nome do livro vem do fato de ele estudar, em relativa profundidade, o lado canalha de nosso país. Há, realmente, UM Brasil que é canalha.

Alfa Omega: A que o senhor atribui a canalhice no Brasil?

Durval Clemente: A canalhice no Brasil – ou em qualquer outro país – nasce da covardia. No Brasil, ela se apoia na corrupção endêmica, na impunidade generalizada, na omissão da Imprensa e na apatia geral do povo.

Alfa Omega: Qual a conclusão principal a que o senhor chegou?

Durval Clemente: A principal e mais grave constatação a que o meu estudo me levou é a de que cerca de 2/3 de todas as canalhices denunciadas foram praticadas por funcionários públicos. Esse fato é gravíssimo, pois revela que os funcionários, representando colégios eleitorais poderosíssimos, vêm arrancando dos Governos – com a colaboração de políticos demagógicos e imediatistas – não só a concessão de benefícios nem sempre justos e merecidos, mas também a concessão de certas garantias e privilégios os quais se constituem em poderosos escudos protetores a que se soma o corporativismo. Assim, na hora de apurarem-se eventuais irregularidades ou abusos praticados, os processos são freqüentemente inconclusivos e as punições raramente ocorrem.

Alfa Omega: O senhor pretende publicar outros livros?

Durval Clemente: Como disse, a publicação de Um Brasil Canalha foi o desfecho natural de um processo ao qual, pouco a pouco, fui sendo levado. Fiquei feliz em ter detectado problemas que me pareciam não terem sido, ainda, identificados devidamente, e sobre os quais este meu trabalho projetou luzes mais claras. Gostaria muito de identificar, agora, possíveis soluções para esses problemas, mas sei que isso implica em muitos estudos e pesquisas – o que exige três coisas: competência, tempo e dinheiro. E tenho de reconhecer que a minha situação não é das melhores com relação a essas três exigências…

Alfa Omega: Embora tenha sido a imprensa, com as suas denúncias, o que efetivamente lhe possibilitou a feitura do Um Brasil canalha, o senhor culpa-a, sem meias palavras, de omissão sobre a canalhice existente neste País. No entanto, se o seu livro baseou-se em 45.000 denúncias, nestes últimos 22 anos, não seria um paradoxo classificá-la de omissa?

Durval Clemente: As mais de 45.000 denúncias foram colhidas nas notícias publicadas. A omissão se deu na não publicação de fatos igualmente importantes e não se restringe apenas ao acobertamento de ações indevidas praticadas por profissionais da mídia (apenas 122 denúncias em 20 anos, contra profissionais da imprensa escrita, uma a cada dois meses!) mas, e principalmente, na rapidez com que são esquecidas as denúncias levantadas contra os grandes empresários. Por exemplo, aqueles que forneceram milhões de dólares ao esquema PC-Collor foram tratados mais como vítimas do que como corruptores – e isso quando foi indispensável citá-lo. No mais, foi o silêncio. O mesmo ocorreu nos casos da Pasta Rosa e do Pau Brasil.

Alfa Omega: Este seu livro é um verdadeiro manifesto de todos os cidadãos brasileiros que ainda têm a capacidade de indignar-se. E os canalhas – como o senhor acredita que eles irão receber seu livro? Em sua opinião, qual seria a reação de um canalha diante de um libelo destes?

Durval Clemente: Por uma questão de auto-defesa, os canalhas não se reconhecem como tal. Por isso, acredito que os canalhas apresentem a mesma indignação diante dos atos praticados por outros patifes, É o que procuro dizer quando, na dedicatória do livro eu cito “aquela imensa maioria de canalhas que se irrita com as vilanias dos outros.” E esse é um fato alentador: com argumentos psicológicos especialmente elaborados, poderemos arregimentar até mesmo os canalhas na luta contra a canalhice … dos outros.


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