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Entrevista com Marcos Alcyr Brito de Oliveira, autor de Cidadania Plena

AlfaOmega: Uma pergunta básica: como se define o conceito moderno de cidadania e do que se trata?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: O conceito atual de cidadania pode ser resumido como o direito a ter direitos. Direitos civis (como o direito à vida, à liberdade à igualdade, à propriedade etc.), direitos políticos (participar no destino da sociedade, votar e ser votado) e os direitos sociais (direito à educação, ao trabalho, à saúde etc.).
Todos estes direitos estão previstos em boa parte das constituições existentes no mundo, inclusive na Constituição Federal Brasileira de 1988. No entanto, não bastam estas garantias formais, é necessária muita luta e consciência para que estes direitos se tornem realidade, por isso podemos dizer que o conceito de cidadania ainda está sendo construído.

AlfaOmega: O que muda na idéia de cidadania a partir de Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e Friedrich Hegel?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: Para os antigos (gregos e romanos) não havia uma diferença nítida entre o público e o privado, a sociedade civil e a sociedade política.
Os fundamentos da teoria moderna do Estado, em que a sociedade civil difere da sociedade política, começam a ser elaborados de forma mais completa com Thomas Hobbes, seguido, entre outros, por John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Emmanuel Kant e Georg Wilhem Friedrich Hegel.

Alfa Omega: O que estes três filósofos tinham em comum uma vez que foram contemporâneos, como no caso de Rousseau e Kant e Kant e Hegel?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: Resumidamente, tais pensadores têm em comum o fato de acreditarem em direitos naturais dos homens (jusnaturalismo) que, por um acordo, “contrato social” ou por superação dialética dentro de um processo, são limitados ou regulamentados em função de uma vida mais segura em sociedade. Trabalham com a diferenciação entre sociedade civil e sociedade política.
No entanto, existem diferenças básicas entre eles, sintetizando: Para Rousseau a existência do Estado é compatível com a liberdade e a igualdade. A igualdade é fundamental para Rousseau – “O homem só pode ser livre se for igual: assim se surgir uma desigualdade e entre os homens acaba-se a liberdade”. Critica a propriedade privada, porém, sob uma ótica individualista, considerando-a como uma relação entre indivíduos e não como um processo econômico de desenvolvimento das forças produtivas.
Kant elabora, em sua teoria, uma separação formal entre o Estado e a sociedade civil. Os homens somente são iguais formalmente, em concreto só o proprietário é cidadão – o homem burguês, o proletário somente adquirirá a cidadania quando e se atingir a condição de proprietário.
Até hoje na maioria dos manuais de Direito adotados nas Universidades predomina a concepção de Direito sob a ótica de Kant.
Para Hegel é nítida a distinção entre Estado e sociedade civil, só que o Estado é o ápice da pirâmide, é o estágio maior da relação dialética entre a sociedade civil e a família, ou seja, é a síntese destas. O Estado é o melhor produto do processo histórico imaginado pelos “jusnaturalistas”, a filosofia jurídica de Hegel é a realização plena do Direito Natural.
Na época de Hegel a burguesia passou a controlar o Estado Prussiano, a necessidade de justificar a existência deste Estado foi contemplada com a teoria de Hegel.
Hegel deixou como herança a idéia de história como processo. Seu método dialético foi aproveitado por Karl Marx em seus trabalhos.

Alfa Omega: Na discussão sobre cidadania em que medida os conceitos de Marx e Engels vem a mudar tudo?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: Marx e Ensgels denunciam a diferenciação teórica construída pela burguesia entre a sociedade civil e a sociedade política. Demonstram em seus estudos que a conexão entre as duas esferas foi separada pelo pensamento liberal para que a igualdade formal política pudesse existir no Estado, enquanto na sociedade civil, por ter uma natureza especial “privada”, as diferenças existentes (proprietários e não proprietários) fossem válidas.
O Estado se constitui como generalidade, onde o homem vive uma vida genérica e é um cidadão abstrato, em oposição a sua vida material na sociedade civil, onde pode até não ter meios para a sobrevivência.
Com Marx e Engels o homem passa a ser compreendido como tal a partir da práxis, ocorrendo neste momento uma ruptura com as tradições tanto materialistas como idealistas, que buscavam, abstratamente, a essência ou natureza humana – a historicidade humana é determinada pelas condições materiais da vida.

Alfa Omega: Entendendo-se cidadania como emancipação humana, já que o Estado não garante a cidadania, não seria o caso de homem emancipar-se também do Estado que o oprime?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: Conforme aponto no livro: “A cidadania, sob uma perspectiva global, ficou bem aquém dos próprios parâmetros da justiça formal burguesa. Portanto, não bastaria o resgate da cidadania formal burguesa, seria necessário um passo além, em direção ao estágio previsto por Marx, em que o homem individual real recuperaria em si o cidadão abstrato. Esse momento seria o da emancipação do homem real, quando a humanidade atingiria a liberdade real, conseqüência da superação do reino da necessidade”.
A emancipação do homem perante o Estado, portanto, é uma hipótese que pode ocorrer com o desenvolvimento de instituições na sociedade civil que assegurem ao homem a realização de suas necessidades e não apenas a contemplação da maximização do lucro. Digo uma hipótese porque tal estágio não é um processo mecânico, depende das lutas e conscientização dos atores sociais.

Alfa Omega: Como o Estado-nação pode se transformar em Estado de bem-estar-social?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: O Estado-nação é fruto da revolução burguesa, da luta dessa classe contra os privilégios feudais que criavam obstáculos às novas relações de produção.
Para boa parte dos povos, “construir” a Nação foi o meio por excelência de se alcançar a democracia burguesa. O direito de cidadania atinge seu auge no Estado de Bem Estar Social, que teve seu inicio com um processo de ampliação da participação intervencionista do Estado na economia, por meio de um programa implementado nos EUA pelo presidente Roosevelt denominado New Deal (novo acordo), baseado nas teorias de Keynes.
No entanto, com a crise de valorização do Capital, conjuntamente com a ocorrência de fatos históricos marcantes, como a queda do Muro de Berlim em 1989 e a desintegração da União Soviética em 1991, o Estado de bem-estar-social começa ser desmantelado surgindo uma corrente político-econômica denominada neoliberalismo, que prega o resgate da total independência da esfera econômica em relação à esfera política.
Atualmente o mercado é princípio fundador, auto-unificador e auto-regulador das sociedades, confundindo a necessidade humana de desenvolvimento social com o desenvolvimento despolitizado do mercado.
Não há uma formula mágica para essa transformação. Como disse acima, somente com o desenvolvimento de instituições na sociedade civil que assegurem ao homem a realização de suas necessidades e não apenas a contemplação da maximização do lucro é possível a emancipação humana e o Estado, sendo um reflexo do modo de produção e das relações sociais, acabará sendo modelado por esta cidadania em construção – a cidadania plena.

Alfa Omega: A globalização ajuda ou atrapalha na realização da cidadania plena? Como isso se dá?
Marcos Alcyr Brito de Oliveira: Apesar da globalização atingir seu auge por conta do neoliberalismo, corrente econômica em que prevalece a visão das instituições financeiras internacionais, ela promoveu um grande desenvolvimento nos meios de comunicação, que são rápidos e eficientes, permitindo o acesso a informações distantes em tempo real.
Mesmo que ainda prevaleça a propaganda ideológica burguesa nos modernos meios de comunicação, a possibilidade de uma contra-hegemonia (no dizer de Gramsci) utilizando-se destes meios é cada vez maior, uma vez que a ideologia burguesa atinge seus limites diante de uma realidade em que a cidadania plena está cada vez mais distante dos indivíduos.
Em um mundo devastado em proveito do grande capital, em que a exclusão social é cada vez maior, a luta de classes é acentuada e os modernos meios de comunicação servem para disseminá-la, apesar da tentativa da ideologia burguesa de ocultá-la.


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