Desde 1973 publicando o pensamento crítico brasileiro

Editora Alfa Omega

Blog

Entrevista com Marcelo Gomes Franco Grillo, autor de O Direito na filosofia de Slavoj Zizek

Entrevista concedida a Thiago Calheiros

Alfa Omega: Seu livro inscreve-se no âmbito da Filosofia do Direito, especificamente no círculo de juristas que tem o jusfilósofo Alysson Mascaro como grande referência. Você poderia descrever que papel tem cumprido as teorizações deste grupo?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que o Prof. Alysson Leandro Mascaro vem assumindo um papel importantíssimo no pensamento jurídico crítico brasileiro, com raras exceções, como poucos na história jurídica e jusfilosófica do País. Isso salta mais aos olhos, se considerarmos os professores da faculdade de Direito da USP, onde tradicionalmente, a linha de pensamento é tradicional e conservadora. Mascaro, além de ter se
estabelecido com esse rigor crítico na faculdade de direito da USP, mais surpreendentemente, ainda, criou um grupo de alunos críticos na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a qual, por longos anos, apesar de sua excepcionalidade na graduação, não teve nenhuma tradição na pesquisa científica, e, atualmente, assume, sem medo de errar, um dos postos de berço do pensamento jurídico crítico brasileiro.
A teorização do grupo de alunos que se formou em torno do Prof. Alysson Mascaro, na pesquisa de Mestrado de Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem sua base teórica mais aguçada no marxismo jurídico. Mascaro e seu grupo desenvolve um trabalho inédito no Brasil e quiçá no mundo: sintetizam as teorias jurídicas dos grandes pensadores marxistas ou de extenso diálogo com o marxismo, como é o caso exemplar das pesquisas em Bernard Edelman, Georg Lukács, Wilhelm Reich, Umberto Cerroni, Galvano Della Volpe, Nicos Poulantzas, Theodor Adorno, Celso Furtado e o próprio Slavoj Žižek.
Mas não só no marxismo jurídico concentra-se o grupo. Em geral, a posição crítica do direito, perpassa autores como Foucault, Carl Schmitt e Heidegger. Os estudos, em torno do professor Mascaro, são, não só marxistas, porém, considerados de uma forma ampla, antiliberais e antipositivistas. Daí, também, trabalhos que priorizam temas tais quais: o direito e a questão racial, a perspectiva material da democracia e da cidadania, o movimento feminista, os direitos humanos e o direito criminal.

Alfa Omega: Seu livro inscreve-se no âmbito da Filosofia do Direito, especificamente no círculo de juristas que tem o jusfilósofo Alysson Mascaro como grande referência. Você poderia descrever que papel tem cumprido as teorizações deste grupo?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que o Prof. Alysson Leandro Mascaro vem assumindo um papel importantíssimo no pensamento jurídico crítico brasileiro, com raras exceções, como poucos na história jurídica e jusfilosófica do País. Isso salta mais aos olhos, se considerarmos os professores da faculdade de Direito da USP, onde tradicionalmente, a linha de pensamento é tradicional e conservadora. Mascaro, além de ter se estabelecido com esse rigor crítico na faculdade de direito da USP, mais surpreendentemente, ainda, criou um grupo de alunos críticos na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a qual, por longos anos, apesar de sua excepcionalidade na graduação, não teve nenhuma tradição na pesquisa científica, e, atualmente, assume, sem medo de errar, um dos postos de berço do pensamento jurídico crítico brasileiro.
A teorização do grupo de alunos que se formou em torno do Prof. Alysson Mascaro, na pesquisa de Mestrado de Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem sua base teórica mais aguçada no marxismo jurídico. Mascaro e seu grupo desenvolve um trabalho inédito no Brasil e quiçá no mundo: sintetizam as teorias jurídicas dos grandes pensadores marxistas ou de extenso diálogo com o marxismo, como é o caso exemplar das pesquisas em Bernard Edelman, Georg Lukács, Wilhelm Reich, Umberto Cerroni, Galvano Della Volpe, Nicos Poulantzas, Theodor Adorno, Celso Furtado e o próprio Slavoj Žižek.
Mas não só no marxismo jurídico concentra-se o grupo. Em geral, a posição crítica do direito, perpassa autores como Foucault, Carl Schmitt e Heidegger. Os estudos, em torno do professor Mascaro, são, não só marxistas, porém, considerados de uma forma ampla, antiliberais e antipositivistas. Daí, também, trabalhos que priorizam temas tais quais: o direito e a questão racial, a perspectiva material da democracia e da cidadania, o movimento feminista, os direitos humanos e o direito criminal.

Alfa Omega: Poder-se-ia dizer que uma das grandes contribuições de Žižek para o estudo do Direito é sua crítica à abordagem positivista do Direito. Você poderia sintetizar os pontos fundamentais dessa crítica?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Slavoj Žižek se opõe ao positivismo jurídico de forma contundente e clara. Ele coloca a questão do hábito – tomando-o como um dado instintivo no homem –, como sendo a marca da aplicação da lei. Essa aplicação ocorre sem a preocupação da justiça do ato de aplicar e, mais sintomaticamente, sem a preocupação da justiça da lei aplicada. A subsunção da lei ao caso concreto é um ato automático, sem procurar saber de sua justeza.
A lei, simplesmente aplicada, eis a maior preocupação dos aplicadores do direito. O jurista se resume a ser um verdadeiro autômato. Sua operação, muitas vezes, é quase que matemática. Quando muito, em um aprofundamento teórico, o jurista procurará os fundamentos hermenêuticos da aplicação da lei; não divergir da lei. Poucos são os pensadores do direito que contestam a própria lei, estão a procurar, por um olhar crítico, a fundação do ordenamento jurídico, de uma determinada lei ou de certa decisão judicial. Žižek, justamente por relacionar o instinto do hábito ao positivismo, neste ponto, também, é muito singular.
A aplicação do direito sem contestar o próprio direito decorre de um hábito, arraigado na sociedade moderna. Essa mesma sociedade que, na atualidade, pode ser definida como técnica e preocupada com a eficiência.

Alfa Omega: Žižek parece realizar uma análise não menos assaz dos ordenamentos jurídicos soviéticos, do chamado socialismo real, integrando aspectos de uma análise psicanalítica. Como ele realiza essa análise?
Marcelo Gomes Frnco Grillo: Realmente Žižek faz uma análise psicanalítica do ordenamento jurídico soviético. Uma delas é que, o totalitarismo socialista impôs, aos seus líderes e envoltos no movimento revolucionário a possibilidade de gozo imediato, pois não havia restrição por uma legalidade universal. Tudo era permitido, uma vez que não havia ordenamento jurídico proibitivo. Quando a legalidade socialista retorna, a proibição, agora universalizada, inibe o gozo. Žižek afirma que o retorno a essa legalidade é a causa do não-gozo. Esse mesmo gozo, que no período de transição socialista, tinha na não aplicação universal da lei, uma ordem simbólica contínua para se gozar.

Alfa Omega: Žižek desenvolve críticas contundentes ao Direito e à Democracia. É possível pensar, a partir de seu pensamento, num definhamento do direito? Quais os principais aspectos da crítica do esloveno à democracia atual?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Žižek é exato e atual na leitura que faz da Democracia. Sua interpretação da Democracia destoa das vozes políticas e jurídicas da atualidade, aquelas que marcam o tom, no mesmo compasso do neoliberalismo.
Žižek, de fato, é atual justamente porque compõe o axioma da Democracia contemporânea, sua condição inerente de ser a partitura da economia globalizada. Então, se é possível pensar em um definhamento do direito a partir da democracia, diríamos que sim! Há muito se sabe que o Estado Democrático de Direito – o Estado constitucional – acompanha um movimento histórico da sociedade.
Há quase que uma Constituição real que se forma antes mesmo da Constituição jurídica. O poder constituinte é um poder em processo. Dados históricos – econômicos, políticos e sociais – desenham, em um primeiro momento, a estrutura do Estado. Estado Liberal, Estado Social e Estado Neoliberal espelham suas democracias e suas democracias espelham sua textura jurídica. O que temos de democracia, na atualidade, provém das bases econômicas do capitalismo, mas também de uma ideologia. Acusar essa ideologia neoliberal é o que faz Žižek.
Defender a democracia contemporaneamente, em um tempo sem crítica, é defender o capitalismo neoliberal, globalizado e financeiro. E, com todas as particularidades e especificidades da superestrutura no mundo atual, o sistema jurídico se compromete de maneira muito evidente. Mas, não só em acusar um definhamento do direito, Žižek contrariamente a esse discurso, percebe a estrutura especifica do direito que sempre, no capitalismo, foi um equivalente da forma mercantil.

Alfa Omega: Žižek desenvolve críticas cortantes quanto aos temas da cidadania e dos direitos humanos. É correto afirmar que Žižek se coloca numa contra-tendência, ao conceber cidadania e direitos humanos como incapazes de promover uma “humanização universal”?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Neste ponto, a pergunta novamente foi muito feliz, ao lembrar a contracorrente que significa o pensamento de Žižek frente à cidadania e os direitos humanos. De fato, os direitos humanos não demarcam uma humanização universal, não trazem aos homens a condição mínima e mais pura de humanidade, o que só poderia existir, há muito se sabe, pela divisão material dos bens, pela mudança dos meios de produção do homem.
Os direitos humanos, pela crítica do autor esloveno, são uma dádiva, sem critério predeterminado e universal. Daí, até poder-se-ia relacionar direitos humanos com geopolítica. Žižek afirma que os EUA, quando procede as ajudas humanitárias em países necessitados, com fundamento nos direitos humanos, sua escolha é aleatória, ou, o que é mais grave ainda, baseada na sua geopolítica. A crítica aos direitos humanos não é no campo jurídico, porém político. O que o filosofo esloveno afirma é que os direitos humanos são utilizados como discurso de legitimação de decisões aleatórias ou pautadas em uma política internacional unitária. Em diversos assuntos os EUA descumprem a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, em outros, defendem suas causas. Žižek indaga sob a escolha da ajuda humanitária americana, perguntando o porquê eles selecionam os albaneses na Sérvia e não os palestinos em Israel, e assim por diante. Não há critério de aplicação universal da ajuda humanitária. Mas isso não significa, para Žižek, desconsiderar os ganhos históricos que foram decorrentes das lutas pelos direitos humanos. Por isso, para os direitos humanos, suas análises se mantêm no quadrante da geopolítica.
Referente à cidadania, a crítica zizekiana está igualmente no patamar da crítica ao sistema político. Atualmente se tem o atributo da cidadania formal, mas nem todas as pessoas têm a cidadania material. O exercício de todos os direitos ligados à cidadania não ocorre uniformemente, uma vez que não estão desvinculados das condições materiais de existência. Ainda, o cidadão é apenas parcela de uma lógica democrática comprometida aos interesses da política globalizada, na perspectiva do nosso autor.

AlfaOmega: Em determinadas passagens da obra de Žižek, fala-se que o Direito “suspende” a verdadeira política. Em seu trabalho, você fala de uma aproximação entre Carl Schmitt e Žižek, entre Ética e Política. Você poderia falar um pouco dessas relações?
Marcelo Gomes Franco Grillo: A relação entre Direito e política é exemplificadora para ilustrar a tecnicidade da sociedade atual. A política, em tempos contemporâneos, é exercida visando substancialmente essa técnica jurídica. O capitalismo deixou esquecido o papel grego da política. Em uma das passagens do livro “Estado de Exceção”, Giorgio Agamben alude que a política foi contaminada pelo direito e, no melhor dos casos, aparece como poder constituinte (“violência que põe o Direito”), quando não diz respeito ao poder de negociar com o Direito.
Žižek é partidário da tese de revalidação do ato político, pela suspensão da ordem vigente. O Estado de exceção para Žižek é a possibilidade de suspender as coordenadas existentes e possivelmente recolocar a política no centro da vida humana, como foi na Grécia antiga. Exatamente, aqui, está o vínculo entre Estado de exceção, ética e política. A suspensão da ordem atual, negando a ética pós-moderna, para restabelecer uma noção de política que seja mais próxima da grega, eis um dos baluartes de Žižek.

Alfa Omega: Sabe-se que o esloveno parte de Lacan e não de Freud, quanto às análises psicanalíticas. No que tange ao gozo na sociedade de consumo, é possível pensá-lo numa relação com o direito contemporâneo?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Aqui reside um dos temas mais fascinantes e difícil de compreender na filosofia de Žižek. Ele não trata diretamente das proposições do gozo no seu aspecto jurídico. O que Žižek faz, conforme dito anteriormente, é unir a falta de universalidade formal da lei ao gozo, como uma nova camada do princípio de realidade, do superego. Isso é exemplar, nos Estados totalitários, onde a aplicação da lei ocorre à vontade dos comandantes, sem universalidade formal.
Mas, a partir da ligação gozo, superego, não universalização formal da lei (pelo menos, conforme conhecida no Estado liberal) e sociedade de consumo já é possível propor teoria jurídica, respaldada, na psicanálise de tradição lacaniana, com diálogos correntes com os mais avançados pensadores, tais quais Žižek e, no Brasil, Vladimir Safatle.
O que nós propugnamos, nessa linha de pensamento, é que a mudança do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro, da sociedade de produção para a sociedade de consumo representa, no campo do direito e da psicanálise social, uma ponte que liga Freud a Lacan e, por exemplo, Escola de Frankfurt à Žižek, com visíveis implicações teóricas.
A sociedade de produção precisava ter um sistema jurídico rígido. Tanto é assim, que o liberalismo, até o advento do Estado social, tinha no poder legislativo e no dogma da lei, a grande bandeira jurídica. Por isso, exalta-se a segurança jurídica, a ideia, pós-Revolução Francesa, de que na claridade cessa a interpretação (In Claris Cessat Interpretatio) e de que o juiz é a boca da lei (Cest la bouche qui prononce les paroles de la loi). Nessas sociedades, o superego representa, um direito universal, objetivo e impessoal, ao máximo.
Com o crescimento da sociedade de consumo, na fase conhecida como capitalismo financeiro, a universalidade jurídica, o dogma da lei e da segurança jurídica tendem a ser flexibilizados, não suprimidos. No direito, vemos, na atualidade, a mudança de importância do Poder Judiciário; se antes, só cabia a ele interpretar, ser a boca da lei, hoje, sua importância na criação do direito é materialmente maior, veja-se, o exemplo, das súmulas vinculantes. Também vemos uma diferenciação na universalidade do direito, no que se refere aos Juizados Especiais e a Lei de Arbitragem. Toda essa modificação paradigmática do direito tem relação direta com a satisfação de um tipo de sociedade que está mais preocupada com o consumo, com o prazer representado pelas formas da economia capitalista e da produção cultural atual.
Justamente, como contraponto do id, o superego não tem mais, como único fator, a repressão. Ao lado do princípio de prazer, o princípio de realidade é representado pela idéia de gozo, na acepção lacaniana. À princípio, essas são algumas das relações que se pode fazer da psicanálise lacaniana com o direito e a sociedade de consumo.

Alfa Omega: Em que medida é possível dizer que Žižek é um autor pós-moderno? E em que medida é possível falar do Žižek enquanto marxista?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Essa também é uma questão muito interessante, apesar de muitos pensadores, em especial, da filosofia, repudiarem uma classificação nesses termos, para explicar a história. Fato é que a época atual tem particularidades sociais – decorrentes, em larga medida, de particularidades econômicas e políticas – que determinam um modo, no mínimo diferente, do agir humano.
Entretanto, também, devemos lembrar que a definição de pós-moderno, ou melhor, a preocupação com esse discurso, é inerente a um saber que não quer ser conservador, mas, ao mesmo tempo, deixa de ser substancialmente crítico, na medida em que procura legitimar-se em uma sociabilidade ao estilo do Estado de bem estar social (pois, mais preocupado com o social), porém, com um toque do requinte liberal. No fundo, o pós-moderno é hedonista e individualista e, quando opera à crítica – aparentemente virulenta ao capitalismo – é só para manter a sua posição de privilégio frente a uma sociedade, ainda, atrasada e conservadora.
O pensamento pós-moderno é chique; ser pós-moderno é ser chique. Isso pode não significar muito, mas, na essência, revela o quanto de limitação há no pensamento pós-moderno. Toda essa consideração é mais verdadeira ainda, se confrontarmos as teses pós-modernas com a teoria marxista. O pós-moderno não pensa as estruturas de dominação inerentes ao capitalismo e, junto com essas, uma maneira de superá-las.
A partir dessa exposição, poderíamos dizer, com toda a certeza: Žižek não é um autor pós-moderno. Muito pelo contrário, Žižek opera uma crítica – essa sim, virulenta – ao capitalismo e a certo progressismo de pouco diálogo com o materialismo e com a dialética. O autor esloveno não se mantém no posto confortável do pensamento pós-moderno, esse mesmo que assimila as crises e propõe soluções palatáveis para a “elite intelectual” que lhe conforma. Podemos apenas aproximar Žižek do pós-moderno, conforme digo no meu livro, pela retórica e a pela utilização da palavra envolta aos acontecimentos diários. Forçando ao máximo à compreensão e a síntese, haveríamos de dizer que Žižek é pós-moderno na forma (no processo), mas bem diferente do que seja o pós-moderno no conteúdo (na substância).
Falar de Žižek enquanto um autor marxista parece ser, sobremodo, mais interessante. Isso porque, é pela tomada de posição marxista que aparecerá algumas das contradições do pensamento de Žižek. Na análise jurídica, o filósofo esloveno é partidário da posição de Marx quando afirma que a igualdade formal acarreta a desigualdade material. É pela igualdade na lei que o trabalhador poderá, em condições formalmente iguais com os outros trabalhadores, vender sua força de trabalho para o capitalista que, também em condições de igualdade formal, deverá obter a mais valia. Esse processo de identificação da forma jurídica com a forma mercantil é recorrente na teoria jurídica pachukaniana, da qual Žižek, em certa medida se aproxima. Mas, partindo dessa base marxista, transparece uma contradição na obra do autor esloveno. É naturalmente quando a crítica ao direito sai dos patamares marxistas literais que a contradição, especialmente na análise jurídica, aparece. A teoria marxista não reconhece outra possibilidade para o direito senão identificá-lo a forma mercadoria. Uma amplitude de diálogos de Žižek com outros autores, que não os marxistas, torna-o heteróclito demais para ser qualificado puramente como um autor marxista. Então, em que medida é possível falar de Žižek enquanto marxista? Na exata medida que o nosso filósofo identifica a forma jurídica à forma mercantil. Aparentemente, em nada mais. Não em um todo, na sua obra. Não como filósofo, talvez. Isso ainda é um tema que me incomoda muito enquanto pesquisador e dá para perceber em meu livro: definir um marcador teórico para Žižek.

Alfa Omega: Você acredita que Žižek em breve (se não já o for) será visto como um clássico de nosso tempo, como uma grande síntese de seu tempo?
Marcelo Gomes Franco Grillo: Neste ponto, não há dúvida de que Žižek representa uma forma muito contemporânea de fazer filosofia. Seus escritos dialogam com os acontecimentos políticos e culturais em ocorrência. A maneira como utiliza a psicanálise – como crítica social – misturada a uma perspectiva dialética, dão a medida de sua filosofia. Muitos pensadores contemporâneos e outros que vierem, quando analisarem a sociedade pós-União Soviética (a partir da década de noventa) deverão deparar-se, em algum momento, com os escritos de Slavoj Žižek.
Agora, não só para as questões que perpassam essa época. Estudos que consideram uma perspectiva para psicanálise e marxismo após os autores da Escola de Frankfurt ou, para alguma definição, ainda que incompleta, do pensamento pós-marxista, deverão ter, em Žižek, um dos pilares mais sólidos de apoio. Para a filosofia do direito, isso não seria muito diferente, até porque, em substancial quantidade, grande parte do que foi produzido se concentra em uma filosofia jurídica juspositivista. Žižek vem na contracorrente total dessa forma de ver o Direito. Ele traz elementos teóricos novos de crítica para o Direito. Sua maneira antipositivista e antinormativista é muito própria para conceber uma jusfilosofia de combate. Isso porque, seu diálogo com o direito é extenso e sem ter bases teóricas nesse campo do conhecimento, se vale das bases da filosofia e da psicanálise. Com subsídio em uma filosofia heteróclita, Žižek contribui muito para o pensamento jurídico crítico, havendo de ser ponto de enlace para outros juristas com essa mesma inspirada vocação.
Por fim, a título de curiosidade, lembro que a pesquisadora Sarah Kay, no seu livro Žižek: a critical introduction já profetizou que o pensador esloveno aparece com a mesma importância no cenário filosófico mundial que Foucault teve nas décadas de 70 e 80.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Far far away, behind the word mountains, far from the countries Vokalia and Consonantia there live the blind texts.