Alfa Omega: O título “Banco…” é muito sugestivo. O que veio primeiro, o livro ou o título?
Ebenézer W. A. Nascimento: Vieram juntos. Banco é a base. Inimigo do Povo é a condição inseparável…
Alfa Omega: De onde veio a idéia do livro?
Ebenézer W. A. Nascimento: Escrevi um outro livro, A Retomada do Poder, ainda não publicado, no qual há um capítulo em que falo dos males do nosso sistema financeiro e faço sugestões para uma reforma. Então, senti a necessidade de me estender mais sobre os Bancos e não fazia sentido entrar em tantos detalhes em A Retomada…
Alfa Omega: No livro você diz que os Bancos tornaram-se predatórios com a cumplicidade e devido à subserviência dos governos. Lula assumiu sob o compromisso de mudança. O que ele pode fazer para mudar essa relação?
Ebenézer W. A. Nascimento: Esse é um dos grandes desafios de Lula: vencer a resistência, a começar pelo Congresso, para efetuar uma reforma necessária do sistema financeiro. Não entendo muito bem o ritmo que ele está dando ao trato de problemas cruciais como o dos juros altos e, inevitavelmente, dos Bancos. Mas penso que se não tratar do tema dos juros exagerados de forma radical não poderá ter sucesso nos planos econômico e social, pelo menos o sucesso que interessa ao povo.
Alfa Omega: O nível de proteção que os Bancos desfrutam no país reflete o que acontece no sistema financeiro mundial. Em que ele destoa?
Ebenézer W. A. Nascimento: Destoa exatamente no nível da proteção que usufruem aqui. Aqui parece que toda a economia gira em torno do interesse dos Bancos. As taxas de juros exageradas, as tarifas sobre serviços, os índices do spread (diferença entre o juro que pagam e o que cobram), por exemplo, são exemplos desse nível exagerado de proteção, e que não tem par no resto do mundo. Trato detalhadamente disso no livro.
Alfa Omega: O Governo diz que os juros são mantidos elevados como instrumento de controle da inflação. O que diz disso?
Ebenézer W. A. Nascimento: É fato que os juros altos reduzem o consumo. Mas, considerando que não há meio de evitar que os custos financeiros sejam incorporados ao produto, os juros altos desestimulam o consumo, mas causam uma inflação de custos. Se essa política financeira fosse correta já teria surtido o efeito que preconiza. O que vimos, entretanto, foi que os Bancos foram e continuam sendo os únicos beneficiários da situação, enquanto indivíduos se desesperam e empresas vão à falência.
Alfa Omega: Por que há uma diferença enorme entre os juros que os Bancos cobram em seus empréstimos e o que pagam aos inversores?
Ebenézer W. A. Nascimento: Não há nenhuma lógica, nenhum princípio de economia ou de direito que justifique a diferença de valor entre o dinheiro do Banco e o dinheiro do investidor; portanto, não há por que serem remunerados de forma diferenciada. Apenas a ganância dos Bancos, com a proteção do governo, explica essa diferenciação. Esse tema é tratado detalhadamente no livro, e é uma das razões por que chamo os Bancos de “inimigos do povo”.
Alfa Omega: No livro você chama a essa diferença entre juros pagos e juros cobrados de “imposto de inflação”. Porquê?
Ebenézer W. A. Nascimento: O que caracteriza um imposto é o direito de cobrar e a obrigatoriedade de pagar, e é exatamente isso o que se passa com os juros. O problema maior é que os Bancos se apropriaram dos resultados de um instrumento dito de controle inflacionário. Constituíram-se nos arrecadadores e nos beneficiários desse “imposto”. Se, pelo menos, o dinheiro assim arrecadado fosse revertido para o governo, ou se todos os Bancos fossem estatais… Mas, assim não é, e por isso a banca privada cresceu de uma forma que desmoraliza qualquer outra atividade econômica.
Alfa Omega: Mas os Bancos alegam que os juros altos são conseqüência também do “risco”. Que diz disso?
Ebenézer W. A. Nascimento: Essa é uma alegação falaciosa, e há vários fatores que se pode mencionar contra. Um deles, e os Bancos sabem disso, é que os juros altos aumentam as dificuldades do tomador do empréstimo e, portanto, aumentam o risco da transação. Portanto, os Bancos são responsáveis pelo aumento do “risco”. Enfim, o “risco” é alto porque os juros são altos; os juros são altos porque o “risco” é alto. Um ciclo vicioso. Em favor do Banco, é claro.
Alfa Omega: A seu ver, que meio teria o governo para controlar a inflação de demanda, se não usasse os juros altos?
Ebenézer W. A. Nascimento: Poderia, por exemplo, controlar o crédito. Até 20, 25 anos atrás, quando os juros eram baixos, o Banco do Brasil, por delegação do governo da época, fechava o crédito comercial por determinado espaço de tempo. Com essa limitação de crédito limitava-se o consumo e, portanto, controlava-se o ímpeto inflacionário. Raramente eram atingidos os créditos para a indústria e, menos ainda, para a agricultura, de vez que havia o entendimento lógico de que só o aumento de produção podia elevar a oferta ao nível da procura, como verdadeiro elemento controlador da inflação.
Alfa Omega: O governo diz que, dentro de uma economia de mercado, democrática e livre, não pode restringir a atividade nem o lucro dos Bancos.
Ebenézer W. A. Nascimento: O livre mercado não pode ser invocado discricionariamente. Se não se pode restringir a atividade nem o lucro dos Bancos, também não se pode restringir o acesso de terceiros ao exercício da atividade bancária. E é pública a posição do governo contra o estabelecimento de concorrência aos Bancos. O livre mercado não pode justificar a liberdade incontrolada dos Bancos nem o oligopolismo. Além disso, é função do Estado defender os mais fracos contra o poder dos mais fortes.
Alfa Omega: O livro trata da origem dos Bancos. É curiosa aquela história de que os negócios, no princípio, eram feitos em um banco na via pública, daí o nome Banco…
Ebenézer W. A. Nascimento: Pois é. Conforme é detalhado no livro, os Bancos surgiram do manuseio de “moedas”, atividade que era exercida por indivíduos que, literalmente, sentavam em um banco na via pública, numa feira etc.
Alfa Omega: Que papel os Bancos deveriam ter atualmente?
Ebenézer W. A. Nascimento: Desde há séculos os governos estimularam a atividade bancária através de concessões exclusivas, mas também impuseram regras. Os Bancos foram então autorizados a captar os recursos do público, mas tinham o dever de aplicá-los em atividades de interesse do governo. Isso é o que chamo de origem da atividade bancária enquanto instituição protegida pelo governo. O Banco recebeu uma concessão e uma obrigação paralela.
Alfa Omega: Mas, isso não ocorre também nos dias de hoje?
Ebenézer W. A. Nascimento: Não. Hoje, os Bancos são Bancos apenas para captar recursos. Afastaram-se cada vez mais da obrigação de aplicar os recursos da sociedade em benefício da sociedade. Não se sentem obrigados a nada. As tarifas que cobram sobre serviços já lhes garantem um lucro que praticamente os liberam da necessidade de emprestar. Conservaram e ampliaram apenas os direitos e vantagens, constituindo-se em verdadeiros inimigos da nação. Transformaram-se em meros intermediários na vida financeira dos cidadãos, já que o sistema financeiro está instituído de forma a que nada se passe sem a presença de um Banco. E, em tudo, eles ganham comissão. Foi a consciência disso tudo que me levou a escrever o livro.
Alfa Omega: No livro, você compara o poder do saque ao poder do voto. E sugere que o povo use esse instrumento em sua defesa contra a prepotência do Banco. Mas isso só teria efeito se fosse um movimento organizado, não é?
Ebenézer W. A. Nascimento: Sim. Mas basta um movimento coletivo pequeno, para começar. Ele tem efeito multiplicador, porque é re-alimentado pelo medo dos depositantes. No livro conto a história de um Banco em Nova York que foi objeto de um movimento dessa natureza e capitulou depois de 3 ou 4 dias.
Alfa Omega: Aqui, eu não sei se teria o mesmo efeito: o povo está acostumado a filas e filas, tamanho o desrespeito – à lei, inclusive, que limita o tempo de atendimento nas agências…
Ebenézer W. A. Nascimento: Sem dúvida teria o mesmo efeito. Como em qualquer país, o povo dominado pelo medo de “quebra” do Banco correria aos guichês para saque. E tem a mídia; basta una notinha num jornal, falando sobre aumento de saque em determinado Banco… Portanto, a arma é poderosa e todos os Bancos a temem.
Alfa Omega: Toda a economia, todas as atividades, produtivas ou não, estão ligadas de maneira simbiótica ao sistema bancário. Dá para viver sem Banco?
Ebenézer W. A. Nascimento: Não diria que a ligação é simbiótica. Diria que é predatória. Entretanto, o que defendo não é a destruição dos Bancos. O que preconizo é que o Banco retorne à sua origem, no que se refere à aplicação dos recursos do povo no benefício do povo. Também preconizo que o lucro do Banco seja proporcional ao seu capital próprio, que gira em torno de 1% dos seus ativos totais.
Alfa Omega: Qual seria a solução?
Ebenézer W. A. Nascimento: Há, pelo menos 3 soluções:
1. Redução dos juros aos patamares internacionais, compatíveis com a inflação real brasileira, e redução das tarifas sobre serviços; isso faria os especuladores saírem do mercado;
2. Imposição “de fato” de regras aos Bancos, visando a que os recursos do povo fossem manipulados no interesse público, e não no exclusivo interesse do lucro dos Bancos;
3. Nacionalização dos Bancos; pelo menos assim os danos causados pelos Bancos reverteriam em favor do povo.
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Banco – Um Inimigo do PovoR$42,00