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Entrevista com Aldo Rebelo sobre o livro A Ilusão Americana, de Eduardo Prado (1860-1901)

Alfa Omega: Por que um livro publicado pela primeira vez em 1893 ainda guarda alguma atualidade?
Aldo Rebelo: O livro trata da ilusão na possibilidade de serem resolvidos os graves problemas nacionais a partir do apoio e da ajuda dos EUA, ilusão desgraçadamente repetida cem anos depois pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1993, quando apresentou o chamado Plano Real, imaginando retomar o desenvolvimento do país apoiado no dinheiro volátil e na boa vontade do nosso grande vizinho do Norte.

Alfa Omega: Qual a importância do relançamento de A ilusão americana?
Aldo Rebelo: Os Estados Unidos propõe a formação de uma área de livre comércio nas Américas do Alasca à Terra do Fogo. O exame de tal proposta exige a cautela e a precaução na aproximação com vizinhos poderosos e arrogantes. A obra de Eduardo Prado é paradoxal: ao mesmo tempo em que teve a premonição de denunciar a expansão hegemonista dos EUA, se contrapôs ao movimento renovador da Proclamação da República. Não podemos esquecer que Eduardo Prado era um aristocrata; um homem para quem os valores de uma sociedade nobliárquica, deveria se basear na etiqueta, na linhagem, nos títulos de nobreza. Eduardo Prado era filho de uma das famílias mais ricas de São Paulo. Tinha casa montada em Paris, era ligado aos círculos intelectuais de Lisboa e tinha servido, inclusive, na legação brasileira em Londres. Esse era o seu ambiente, esse era o seu meio. E a República era a negação de tudo isso. A República veio da Guerra do Paraguai, do convívio de soldados negros com oficiais republicanos e anti-escravocratas, como Floriano Peixoto. O anti-republicanismo de Eduardo Prado determinou que para ele o Brasil republicano era um país no qual não se sentia mais à vontade. A República de Floriano era exatamente a negação de tudo aquilo que Eduardo Prado imaginava para o País: era o combate do aristocrata, combate que ele fazia muito mais pela glória de combater do que pela esperança de vencer, porque sabia que a vitória era improvável.

Alfa Omega: Eduardo Prado exercia alguma liderança política no movimento anti-republicano ou era apenas um de seus polígrafos, um de seus publicistas?
Aldo Rebelo: Embora sustentem que Eduardo Prado inspirou o personagem Jacinto de Thormes, de Eça de Queirós, em A cidade e as serras, um Jacinto de Thormes enfastiado da vida moderna, que se volta para o movimento regressivo, para os valores e os costumes e o ambiente do campo e da aristocracia, na verdade não se pode negar a Eduardo Prado a sua característica de homem de ação, de homem de combate. Não se sentia como derrotado e nem agia como tal, agia como combatente. E ele usou dos seus conhecimentos – às vezes mais do que de sua capacidade intelectual – para se contrapor à República. Não apenas escreveu, também articulou, procurou juntar forças no Brasil e no exterior, numa esperança que talvez nem ele próprio acreditasse de restaurar a Monarquia.

Alfa Omega: A ilusão americana pode fazer os brasileiros refletirem mais sobre a implantação da Alca?
Aldo Rebelo: Acredito que sim, porque, embora os fatos aos quais se refere Eduardo Prado tenham ocorrido no século XIX, o século XX está cheio de exemplos de episódios semelhantes que apenas confirmaram as preocupações e as denúncias de Eduardo Prado. Advirto os leitores de A Ilusão Americana que Eduardo Prado é muito pessimista sobre a unidade dos países da América Latina. Já na primeira parte do livro, ilustra com uma série de exemplos os desentendimentos costumeiros entre os vizinhos da América do Sul, principalmente entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Entre Argentina e Chile; Peru e Equador. Conflitos que, até hoje, em graus e intensidade diferentes se repetem. Aliás, Eduardo Prado usa esses exemplos para tentar provar que da mesma forma como a vizinhança não significa necessariamente amizade, partilhar o mesmo hemisfério, como América do Sul e EUA, também não significa solidariedade. E usa os exemplos para defender que o Brasil deveria se aproximar naquela época da Europa monárquica e não dos EUA republicano.

Alfa Omega: A aproximação do governo Floriano Peixoto com os EUA, nos primórdios da proclamação da República, cumpria o papel progressista, segundo seu ponto de vista?
Aldo Rebelo: Creio que sim. Naquele período os EUA representavam uma espécie de modelo a ser seguido pelo êxito na ruptura com o império colonial britânico e pela vitória em alcançar o desenvolvimento autônomo de sua economia e de suas instituições. Floriano Peixoto apenas seguiu o rastro dos movimentos republicanos de todo século XIX no Brasil. Foram aos EUA que os rebeldes pernambucanos recorreram em 1824, na Confederação do Equador. Nessa rebelião, inclusive, um cidadão norte-americano foi fuzilado, acusado de ser um dos líderes da rebelião. Quando os gaúchos se rebelaram contra o Império, nas décadas de 30 e 40 do século XIX, a Revolução Farroupilha teve no jovem norte-americano John Griggs, um dos comandantes da flotilha organizada por Garibaldi para enfrentar a marinha imperial. Por esse motivo, pode se dizer que a aliança da República nascente com os EUA teve um caráter progressista e democrático. Hoje a situação é diferente: a Alca não é mais inspirada por uma nação que luta para se desenvolver e que luta por sua independência. Hoje a Alca é uma artimanha de um império, que deseja dominar não apenas a América Latina, mas todo o mundo. Quando a República surgiu, já os EUA começavam a mudar o caráter de sua presença no hemisfério e no planeta, o que nos oferece exatamente a ambigüidade e o paradoxo do livro de Eduardo Prado, porque enquanto ainda fosse justa naquele momento a aliança da República com os EUA, já também naquele instante os EUA apresentavam os primeiros sinais de sua vocação imperial.


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