Alfa Omega: Professor, o senhor já aplicou a sua teoria desenvolvida neste livro?
Alcides Casado de Oliveira: Fiz uma tentativa. Pretendi explicar a organização do sistema educacional brasileiro. Entretanto, concluí que poderia explicar diversos aspectos da organização formal do sistema, mas não poderia explicar as relações entre a organização social e o funcionamento do sistema. Isto porque, para explicar as relações, eu teria de explicar a própria teoria, e assim, ficaria como o cachorro correndo atrás do rabo. Tenho as anotações da tentativa que fiz.
Para mostrar uma aplicação eu teria de explicar, primeiro, a própria teoria, e me certificar de que os interessados na aplicação a conhecessem. Assim, decidi publicar a teoria para mostrá-la a pessoas que poderiam compreendê-la, os sociólogos; depois, produziria os exemplos de aplicação, para mostrá-los aos que conhecessem a teoria e tivessem condições de divulgá-la. Então, trata-se de primeiro, mostrar o que é a teoria, e depois mostrar como pode ser aplicada. Mas posso fornecer exemplos de como se poderá aplicá-la, a partir de fatos ou situações reais, antigos ou atuais.
Alfa Omega: No que sua teoria é diferente de outras teorias sociais?
Alcides Casado de Oliveira: Esta teoria permite explicar, em bases científicas, a organização e o funcionamento do sistema social de qualquer comunidade. As outras teorias, pelo menos as que eu conheço, foram desenvolvidas para explicar, algumas em profundidade, aspectos relativos ao comportamento social mas, em geral não tratam das relações entre organização social e comportamento social; os aspectos relativos à organização social são analisados a partir de argumentos doutrinários.
Esta teoria pretende ser essencialmente científica. Com base nela, um cientista social poderá compreender e explicar as características da organização e do funcionamento de sistemas sociais. A outras teorias faltam fundamentos científicos para explicar relações entre organização social e comportamento social e, desse modo, não permitem explicar, cientificamente, o funcionamento dos sistemas sociais. Em outras palavras há uma deficiência de conteúdo científico nas outras teorias, quanto aos aspectos relacionados à organização social.
Alfa Omega: Quais são os fundamentos da sua teoria?
Alcides Casado de Oliveira: São três fundamentos:
1. Existe uma linha de continuidade evolutiva no processo social, desde sua origem até os dias de hoje.
2. As famílias humanas se agruparam e criaram mecanismos sociais específicos, que lhes permitiram encontrar modos eficazes de adaptação às condições ecológicas do planeta.
3. O mecanismo de introdução de atividades e a agregação são dois mecanismos de origem do comportamento social e o conhecimento do seu funcionamento permite explicar as mudanças sociais.
Alfa Omega: Por que você não se baseou nos fundadores da Sociologia para construir sua teoria?
Alcides Casado de Oliveira: A teoria contém elementos de antropologia, de biologia, de história e pré-história, assim como, de sociologia; quanto a esta última, muitos aspectos relativos ao comportamento social foram retirados dos primeiros mestres, embora de maneira esparsa. Acontece que não prossegui com os seus raciocínios, porque descobri diversos equívocos que eles cometeram, por falta ou insuficiência de conhecimentos científicos, principalmente no que se refere à organização social das comunidades humanas. Os conhecimentos faltantes foram gerados somente no século XX.
Alfa Omega: Como um sociólogo poderá aplicar sua teoria, se você mesmo ainda não a aplicou?
Alcides Casado de Oliveira: A teoria pode ser aplicada por qualquer sociólogo que a houver compreendido. A compreensão dos fundamentos da organização social, do comportamento social e dos modos de funcionamento dos sistemas sociais, permitirá, aos sociólogos, analisarem qualquer situação ou problema social, mediante a aplicação de critérios científicos. A teoria é uma ferramenta, um instrumento de trabalho oferecido aos cientistas sociais, de modo geral, e aos sociólogos, em particular, para sua utilização segundo seus conhecimentos e sua experiência.
Alfa Omega: Quais vantagens obteria um sociólogo, ou um cientista social, ao fazer análises sociais segundo sua teoria?
Alcides Casado de Oliveira: São duas: a primeira vantagem é que a teoria facilitará a ordenação dos assuntos a serem analisados segundo uma seqüência lógica de raciocínios elaborada pelo próprio analista; e, a segunda, é que o analista poderá elaborar propostas de intervenção social cientificamente fundamentadas. Lembro que as propostas atuais são frutos de avaliação pessoal do analista e se apóiam no seu posicionamento doutrinário, nos seus conhecimentos individuais e na sua experiência; com esse ferramental ele somente pode emitir opiniões pessoais. Atualmente, no ocidente, as propostas de intervenção social são elaboradas e analisadas por pessoas leigas, tanto no que respeita à organização social, como as que dizem respeito ao comportamento social.
Alfa Omega: Ao aplicarem sua teoria os sociólogos não produziriam apenas análises e propostas padronizadas? Hoje, os analistas têm ampla liberdade para suas abordagens, nas análises que fazem sobre situações e problemas sociais; eles não perderiam essa liberdade?
Alcides Casado de Oliveira: Não, a teoria não substitui os conhecimentos individuais, e menos ainda, a sensibilidade pessoal do analista. Apenas garantiria uma melhor ordenação da exposição e forneceria argumentos científicos para suas colocações pessoais e para suas propostas de intervenção no meio social.
Alfa Omega: Considerado o fato de que as cúpulas das estruturas de produção exercem o poder determinante, como um sociólogo que trabalhasse em uma empresa aplicaria sua teoria relativamente aos assuntos da produção?
Alcides Casado de Oliveira: As análises do sociólogo se centrariam em dois pontos: primeiro, analisaria como a seqüência de tarefas (normalmente estabelecida por engenheiros, ou outros especialistas) geraria relacionamentos entre as pessoas envolvidas no processo, e quais as características do comportamento social resultante; segundo, analisaria as relações de dependência entre as pessoas, em decorrência da interdependência entre as tarefas. Em seguida, o sociólogo poderia prever o surgimento de pressões sociais internas, justificando cientificamente mudanças no modo de produção a ser estabelecido. Tais tarefas nem mesmo são executadas atualmente, na grande maioria das empresas industriais, comerciais ou de serviços; entretanto, geram pressões sociais que são analisadas e tratadas a posteriori.
Alfa Omega: Qual a origem da sua teoria?
Alcides Casado de Oliveira: Comecei a desenvolver a teoria desde que me aposentei, no final de 1983, embora tenha continuado a trabalhar como consultor, até 1998. Mas a origem da teoria remonta ao início da década de sessenta, quando cursava economia, em São Paulo. Era um período de grande agitação política, e havia pressões, dentro da faculdade, para que os alunos fizessem opção pela esquerda ou direita; nunca aceitei me definir porque tinha a pretensão de compreender como as sociedades humanas funcionavam, e procurei deliberadamente não me envolver com seus defeitos ou qualidades; esta já era, portanto, uma preocupação científica. Mas o fato que me levou a desenvolver a teoria foi a descoberta das estruturas sociais, a percepção de que todos os povos apresentavam o mesmo modelo de organização social. Não tendo com quem conversar a respeito, porque no início as idéias eram muito confusas, desenvolvi um processo de autocrítica. Assim, procurei nos primeiros mestres e em outros autores do século XIX, as explicações que me faltavam sobre o funcionamento das estruturas sociais. Encontrei apenas fragmentos e fundamentos ideológicos relativos às formas de organização social dos povos. As informações de História e de Pré-História me forneceram o caminho para a origem das estruturas; depois, os relatos dos antropólogos me permitiram estabelecer hipóteses sobre as origens do comportamento social. Deste ponto em diante, as coisas se tornaram mais fáceis, e assim pude completar a teoria.
Alfa Omega: As soluções doutrinárias de organização social, de um modo ou de outro, não foram eficazes, nos últimos duzentos anos, pois produziram o progresso e o aperfeiçoamento dos métodos administrativos em todas as partes do mundo?
Alcides Casado de Oliveira: Sim, mas também produziram duas guerras de amplitude mundial e parece estarem preparando outra. Embora pareça ser um pouco tarde, uma compreensão científica do funcionamento do sistema social da humanidade poderia ser um caminho para evitar um novo conflito. O mesmo raciocínio pode ser aplicado quanto aos modos de serem aliviadas as pressões sociais que estão surgindo e se agravando, em todo o mundo.
Alfa Omega: Sua proposta, então, seria entregar o poder determinante aos cientistas sociais?
Alcides Casado de Oliveira: Não, o conhecimento sobre organização social, sobre comportamento social e sobre os mecanismos de funcionamento dos sistemas sociais permitiria, à cúpula que exerce o poder determinante, independentemente da estrutura social que concentra a maior parcela do poder social, interagir cientificamente com a população respectiva, e desse modo, encontrar modos adequados de aliviar as pressões sociais emergentes. O uso de fundamentos científicos permitiria, por exemplo, conciliar o grau de liberdade individual com o interesse da sociedade, sem passar por discussões ou caminhos ideológicos. Minha proposta seria, portanto, esclarecer as cúpulas, antes de qualquer outra coisa.