24 de agosto de 2020
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Não havia, até agora, surpreendentemente, uma única obra publicada em Língua Portuguesa voltada a investigar em quais termos pode-se situar, nos dias atuais, a relação entre o marxismo e os direitos humanos – o que dá a medida de nosso relativo atraso nesse debate.
Entrevista concedida a Antônio do Amaral Rocha
Alfa Omega: O senhor, como estudioso do tema direitos humanos, poderia descrever a situação dos direitos humanos nos tempos de Marx e Engels.
Prof. José Damião: Até quase o final do século XIX, o que se conhecia por direitos “humanos” era apenas a herança deixada pela Revolução Francesa de 1789, uma revolução burguesa por excelência: os chamados direitos civis (liberdade individual, igualdade formal perante a lei, e suas decorrências) e os direitos políticos (votar e ser votado para cargos políticos), direitos esses cujo exercício, contudo, era severamente condicionado pela inserção de classe das pessoas. Os direitos civis eram uma necessidade ao capitalismo triunfante: e liberdade contratual, empresarial, comercial, liberdade para a aquisição e venda de propriedades, livre produção e circulação de mercadorias, liberdade para acumular lucros, “libertação” dos trabalhadores da servidão das glebas feudais para, então, poderem vender “livremente” aos capitalistas a única mercadoria de que dispunham, ou seja, a sua própria força de trabalho – tudo em condições de perfeita “igualdade” jurídica entre compradores e vendedores. A igualdade jurídica, conformadora dos “sujeitos de direitos”, era o pressuposto dos contratos em geral. No lugar dos antigos privilégios de nascimento, atributos antigos dos estamentos sociais do feudalismo, põe-se a igualdade jurídico-formal entre todos, uma “igualdade” que passa a conviver sem constrangimentos com a desigualdade real e montante que continua a existir e a se reproduzir na sociedade. Claro que, tanto a liberdade quanto a igualdade, passam a ter significados práticos muito diferentes entre pessoas de diversa origem de classe. Para as classes abastadas/dominantes, liberdade e igualdade convertem-se em realidades da vida; já para as classes trabalhadoras/dominadas, ambos os conceitos são muito mais virtuais/formais do que reais. Como na arguta observação de Anatole France: “O direito, com seu igualitarismo majestoso, proíbe igualmente, a ricos e a pobres, de furtarem pão e dormirem ao relento”.
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