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Uma reflexão sobre a trajetória da Editora Alfa Omega – por Gustavo Orsolon de Souza

Papo de Rodoviária

Gustavo Orsolon de Souza

Certo dia, estava sentando no banco da pequena rodoviária da minha cidade, esperando o ônibus com destino ao Rio de Janeiro. O ônibus estava um pouco atrasado, talvez por ser sábado e o movimento de passageiros maior neste dia. Não demorou muito e, ao meu lado, sentou-se um rapaz que aparentava seus cinquenta anos e que também esperava o mesmo transporte. Sentados um ao lado do outro, e observando as pessoas que passavam pelo terminal, começamos a travar um pequeno diálogo sobre assuntos aleatórios – como a previsão do tempo –, assuntos esses que durariam, no máximo, até a chegada do ônibus.

Aos poucos, a conversa foi ganhando fôlego e contornos mais definidos. Isso nos levou a refletir sobre temas políticos, econômicos e culturais. Vimos que era possível avançar a conversa para além da previsão do tempo. O que não quer dizer que a temática climática seja considerada menos importante, pelo contrário: um sábado ensolarado na capital carioca rende boas e inesquecíveis fotos, e é o que espera os viajantes que seguem para lá, seja a turismo ou mesmo a trabalho. Portanto, um assunto que merece a devida atenção.

Mas a conversa avançou para a temática da mídia escrita e dos periódicos sensacionalistas. Não me recordo como chegamos a esse assunto, talvez por ser um tema quente, principalmente para os dias de hoje, em que os ânimos andam inflamados, bem à flor da pele. Só sei que o tema estava lá, na pauta do nosso papo de rodoviária.

Neste momento, percebi que aquele rapaz falava com certa propriedade sobre a área da comunicação. Foi quando ele me revelou que trabalhou em uma empresa de publicidade. Da mesma forma, também me apresentei como professor e historiador.

Com a chegada do ônibus, tivemos a sorte de sentarmos lado a lado, o que possibilitou prolongar a nossa conversa. Já acomodados, demos sequência ao assunto da mídia e, logo em seguida, mudamos o foco para comentar sobre publicações importantes, livros que marcaram época, principalmente por fazerem algum tipo de crítica ao regime de repressão civil-militar, ocorrido no Brasil.

Mal sabia ele que o assunto em questão muito me interessava. Mas deixei o papo fluir, sem conceder pistas sobre o meu objeto de pesquisa. Foi, então, que ele, no decorrer da conversa, citou o livro A Ilha (1976), de Fernando Morais. Neste momento fiquei entusiasmado: ele conhecia a editora Alfa-Omega ou, pelo menos, já havia lido uma publicação da casa. Se não bastasse, o rapaz avançou e citou outro livro do mesmo autor: Olga (1985). Este último ele deixou claro que leu mais de uma vez.

Logicamente, aproveitei o momento e fiz uma interferência na conversa, perguntando se ele conhecia a editora que havia publicado tais livros. Ele titubeou por um instante e disse que era uma editora de São Paulo e não demorou mais do que um minuto para dizer, a Alfa-Omega.

Fiz um gesto com a cabeça, demostrando ao rapaz que ele havia acertado a resposta. Então, o mesmo disse: “essa editora também publicou um livro sobre a guerrilha do Araguaia, não é mesmo?”. Confirmei novamente com o mesmo gesto. Certamente, o rapaz estava se referindo a revista A Guerrilha do Araguaia, de autoria de Palmério Dória, Sérgio Buarque de Gusmão, Vincent Carelli e Jaime Sautchuk, o primeiro volume de uma coleção intitulada História Imediata, publicada pela Alfa-Omega, entre os anos de 1978 e 1979. Ou, quem sabe, o rapaz estivesse se referindo ao livro Diário da Guerrilha do Araguaia, de Clóvis Moura, publicado em 1979.

Independentemente do livro ao qual o rapaz estava se referindo, fiquei surpreso positivamente com a tamanha lembrança. Sem dúvida, os livros citados tiveram um grande destaque no catálogo da editora e marcaram várias gerações de leitores. O comentário do rapaz me fez recordar de uma professora que, durante um encontro acadêmico, me evidenciou ter lido vários livros da editora, principalmente quando ainda estava no início da faculdade História. Disse ela: “ia com frequência à biblioteca da universidade ler livros, durante os intervalos das aulas, e li muitos da Alfa-Omega”. Assim como ela, tantos outros professores, que hoje atuam no nível superior de ensino, tiveram em suas mãos algum livro publicado pela Alfa-Omega.

Não me é estranha a dimensão da Alfa-Omega no mercado editorial e sua projeção no meio acadêmico, principalmente entre as décadas de 1970 e 1980, até porque, o resultado da minha pesquisa de doutorado demonstrou isso. O primeiro livro, por exemplo, A Ideia Republicana no Brasil, Através dos Documentos (1973), do professor Reynaldo Xavier Carneiro Pessoa, foi utilizado com referência bibliográfica no curso de História da Universidade de São Paulo. Os periódicos analisados do período trazem bem nítida essa relação da editora com o meio acadêmico, assim como o perfil ideológico, a recepção de suas edições, a atuação dos editores no mercado de livros e o seu crescimento estrutural.

Mas, voltando ao ponto da viagem, não demorou muito para que o ônibus adentrasse a rodoviária carioca. A conversa foi tão enriquecedora e prazerosa que, quando demos conta, já estávamos em nosso destino de desembarque. O rapaz seguiu o seu caminho, e eu, o meu. Ah, o céu estava lindo e o sol a pino neste sábado!

Não queria que essa história passasse despercebida e, por isso, fiz questão de transformar essa experiência vivida num sábado ensolarado em texto, até porque o rapaz que conheci neste dia, sentado na rodoviária, me trouxe boas reflexões. Uma delas foi sobre a vivacidade da editora. Embora ela esteja em plena atividade nos dias de hoje (completando seus cinquenta anos), aquela Alfa-Omega das décadas de 1970 e 1980 ainda pulsa na memória dos leitores, o que demostra que suas publicações tiveram uma função social muito importante, principalmente em um momento político difícil, marcado pela repressão estatal. Uma segunda reflexão, que acaba sendo um desdobramento da anterior, foi perceber o quanto o seu catálogo contribuiu para informar e formar uma geração que, naquela época, não possuía os recursos tecnológicos da modernidade, e que encontrava nas publicações da Alfa-Omega os debates que estavam presentes na sociedade e as principais questões que dominavam o cenário político da época.

Vida longa à Alfa-Omega!

Gustavo Orsolon de Souza é Doutor em História Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP). Teve como objeto de pesquisa a editora paulista Alfa-Omega, orientado pela professora doutora Márcia de Almeida Gonçalves. Mestre em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Far far away, behind the word mountains, far from the countries Vokalia and Consonantia there live the blind texts.